terça-feira, 23 de março de 2010

era


O destino me pregando uma outra peça, eu não queria
Me cercava toda noite, com sua flecha e sua guia
Era o tempo me encostando sua pele traiçoeira
Eram noites tão pesadas, com nuvens sorrateiras
Era a vida me cortando a carne com seu guizo
Ecoando pelos séculos os sons de alguns gemidos
Eram meus antepassados dentro dos bacanais
Era o tempo me emprestando aquilo que eu não devolveria mais
Era um homem nos meus sonhos me currando sem perdão
Eram duas velhas mortas se arrastando pelo chão
Eu soltava os meus cães em meu peito a soluçar
Abafava os meus gritos, pois não sabia ladrar

Achei que não era eu que fazia minha história andar

Punha a culpa no destino ou em quem estivesse à mão para culpar
E era assim

Hoje em dia não me importo com o que fiz no meu passado
Quero amigos, sorte e muita gente boa do meu lado
E não rebato se disserem por aí que eu tô errado
Porque quem se debate está sozinho ou afogado

Eu, que não fico no meio, não começo e nem acabo
Eu sou filho do amor, de Deus, e não do diabo
Na ciranda das canções eu me ponho a revezar
Rodando entre as ondas que me puxam em alto-mar
Hoje sei bem que sou eu que giro a minha vida circular
Essa roda, eu que invento e faço tudo nela se encaixar
Eu sou assim

quarta-feira, 17 de março de 2010

afinal


Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d'Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.

(...) 

terça-feira, 16 de março de 2010

o haver

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

15/04/1962

Vinícius de Moraes

quinta-feira, 11 de março de 2010

a câmera que filma os dias

Ele carrega o nome de um rei grego, não obstante, tem a cara da Grécia: gosta de se vestir bem e adora uma festa!
Mas grego mesmo é esse jeito meio “cazuza” de ser: esbanja charme e como é difícil ser só de alguém! Porque ele é de todo mundo! E todo mundo o deseja!
Sabe aquela pessoa que lhe causa friozinho na barriga antes de encontrar? Não, eu não estou falando de paixão, estou falando de um dos tipos mais bonitos de amor mesmo. Só não há mais ansiedade na espera porque ele é dono da pontualidade britânica.
Eu sou fascinado pelas pessoas que sabem cumprir horário, embora algumas vezes eu já torci pra que ele atrasasse, só alguns minutinhos, pra eu poder me arrumar melhor, porque perto dele a gente precisa estar impecável.
Não, ele não exige nada. Quando a gente reclama algo do estilo não estou bem vestido, ele logo revida dizendo que está ótimo, eu vou de havaianas. O problema é que ele sempre arrasa, inclusive com as havaianas.
Se a gente vai ao show, a amiga de todas as horas precisa sentar no meio. Senão a gente não agüenta e chora muito sentido as emoções um do outro.
Quando estou triste, é o abraço dele que me faz sentir a pessoa mais especial do mundo. E o que dizer então das mensagens no celular com o jeito carinhoso de sempre me chamar de migote?
Irritado, mas amoroso. Temperamental, mas divertidíssimo. Estiloso, mas humilde. Imperioso, mas sensato.
Quantas terças-feiras da minha vida foram feitas especiais por ele! Mas quantas semanas inteiras eu tive mais vontade de viver, porque a energia contagiante dele estava ao meu lado.
Existiram dias que eu não tinha vontade de sair do meu infinito particular. O que meu corpo pedia era um gole de álcool pra cultivar as depressões. Mas ele esteve comigo nos momentos mais difíceis e me fazia sentir a pessoa mais rica e feliz do mundo.
Agora, sabe qual o barato de tudo isso? Ele nunca soube o quanto as suas mínimas atitudes me tocavam e me tocam. Ele sempre foi especial sem eu dizer o quanto isso tudo me faz bem!
É ele quem me leva pra assistir Ana Carolina, pra comer comida japonesa ou pizza sem queijo, pra fazer happy hour às 17 horas, pra passear na 25 de março, não, desculpa, na Oscar Freire e, reitero, me dá um abraço! Ah, que abraço...
Era uma manhã de céu muito azul e foi no meio de caretas e abdominais doloridas que a câmera que filma os dias o encontrou.

Teus gestos solitários pela lente sem fim
E lento o tempo parecia desfocar
Tanta coisa escapa sem o olho ver
E às vezes as imagens vem nos assaltar
Ter te visto assim sem jeito e sem querer
Foi o tiro certo para começar

Eu pressentia que algo grandioso estava por nascer, mas eu precisava esperar pelo tempo. Tempo, tempo, tempo...
De repente, tudo começou a ficar tão difícil e o inverno chegou para mim, ops, para nós!
E foi assim

A câmera que filma os dias tomou conta de mim
E passei aquele inverno inteiro a te focar

Foi nas lentes dessa câmera que nasceu um sentimento verdadeiro, duradouro, e por que não dizer ETERNO!
Se ele fosse meu irmão de sangue, provavelmente a gente não se compreenderia tão bem assim. O amor fraterno nem seria tão intenso.
Mas, o gostoso mesmo dessa história toda é concluir que

A câmera que filma os dias deu um giro e parou
Na lojinha da cidade com o preço bom
Era um dia de inverno quando você chegou
Amigo! Se não fosse teu abraço compraria um moleton

quinta-feira, 4 de março de 2010

antes que a canção acabe

Nada como estar ao lado de bons amigos, rodeados de pessoas que não estão preocupadas com sua imagem, com sua “postura”... mas que estão ali porque gostam de você, do “jeitinho” que você é mesmo!
Essa noite eu curti um pouco dessas pessoas maravilhosas que a faculdade trouxe pra minha vida e que os levarei pra sempre!
O pretexto disso tudo começou com a ansiedade louca de rever Taïs Reganelli esbanjando sua voz doce e encantadora.
E foi lá no Almanaque Café, em Barão Geraldo, que eu matei a saudade deles todos!!! E revivi o som maravilhoso dessa cantora mais que ótima, acompanhada do seu irmão Henrique Torres!
O cd está espetacular!
Fica a dica cult e sensitiva para as pessoas que gostam de musicalidade poética!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Ela é bamba



Dia desses a Roda realizou um evento de inclusão, mas eu não estava por lá. Compromissos me deixaram fora dessa. E, talvez por isso, eu devesse registrar as minhas boas vindas.
Embora eu só divida o lar com ela contratualmente, ela merece minhas palavras, porque é da minha família que agora ela faz parte.
Todos, sem exceção, quando a vê pela primeira vez, não dá um centavo por ela (definição criminosamente furtada). Mas não demora muito você começa a enxergar a pessoa que se esconde por dentro de olhos sempre muito vivos. (E que olhos).
Ela deixa um toque especial nas coisas e depois da sua chegada, até a casa no México ficou mudada.
Aparentemente, e tão somente aparentemente, sisuda, quando começa a se mostrar se apresenta como falante inteligente e esbanja simpatia.
O sorriso (de menina) tem um quê tal meigo a ponto de beirar a pureza de adolescente. Mas a antítese aparece tão logo ela lança suas palavras que a impõem como mulher.
Tem talentos que ninguém percebe sem ter intimidades. E, normalmente, quando alguém percebe o outro nunca acredita.
A sua multiplicidade de características começa no seu nome. Às vezes Leona, outras Phalita, algumas Ghalita e de vez em quando até se arrisca como Thalita.
As músicas dela são alternativas, mas eu diria que nem passa tão longe assim de Back Street Boys. Ah, mas ela toca pandeiro! Ufa, deixa-me voltar a falar da Phalita culta...
Papo bom é o que não falta com essa garota. E pra quem pensa que ela só fala em sexo está muito enganado, porque com ela eu já conversei até coisas de Deus.
Confesso: amei toda aquela conversa! E quero muito mais!
É verdade. As pessoas sentem ciúmes dela. Porque nesse jeito quietinho e danado de ser ela conquistou um posto que um monte de gente queria estar.
Já eu, que odeio esse sentimento frívolo de posse, prefiro dizer que eu adorei a nova combinação harmônica do país mexicano.
Opa, preciso até me conter, porque falar do México seria lembrar o quanto o laço tem se estreitado nos últimos dias, no quanto um simples encontro de pessoas podem transformar vidas e nessa capacidade incrível que Deus gerou entre mim e a mãe dos meus filhos de unir espíritos.
Mas afinal quem é a Ghalita?
Conheço pouco, mas até onde eu posso ter certeza a Phalita tece tapetes, é psicóloga, é pedagoga e gosta de crianças. E, ainda, pasmem: ouvi dizer que além de recitar Camões, ela também compõe poesias.

“Ela é bala
A mestiça é todo gás
Cada braço é uma viga do país
Abre o olho com ela meu rapaz
Ela é quase tudo que se diz...

Ela é pop, ela é rap
Ela é blues e jazz
E no samba é primeira linha...

Então vamos lá:
Leona, Phalita, Ghalita, Thalita”

Amiga, seja muito bem vinda a nossa família! Eu sei que você chegou pra completar... eu até arriscaria uma nova definição: um tempero bom nessa culinária saborosa.
Afinal, na cozinha também surgem poemas, não é mesmo?