segunda-feira, 8 de novembro de 2010

você me faz parecer menos só

Quando você pinta tinta, dessa tela cinza
Quando você passa doce, dessa fruta passa
Quando você entra mãe-benta, amor aos pedaços
Quando você chega nega fulô
Boneca de piche
Flor de azeviche
Você me faz parecer menos só
Menos sozinho
Você me faz parecer menos pó
Menos pozinho

Quando você fala bala, no meu velho oeste
Quando você dança lança flecha, estilingue
Quando você olha molha meu olho que não crê
Quando você pousa mariposa morna, lisa
O sangue encharca a camisa
Você me faz parecer menos só
Menos sozinho
Você me faz parecer menos pó
Menos pozinho

Quando você diz, o que ninguém diz
Quando você quer, o que ninguém quis
Quando você ousa lousa pra que eu possa ser giz
Quando você arde, alardeia sua teia cheia de ardis
Quando você faz a minha carne triste, quase feliz.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Como Esquecer

Aqui Virginia se matou, murmuro. 
Antônia e eu estamos ante as águas verde-geladas do Ouse, o rio abstrato que finalmente se tornou real. Minhas palavras não dizem nada de novo, são para mim, tentando dar concretude ao fato de estar no cenário da tragédia que me acompanha há tanto tempo. O rio é pacífico ao atravessar a cidadezinha, e guarda em suas profundezas como um segredo de amor o dia em que Virginia Woolf vestiu sua roupa de algas e peixes. Faz frio em Lewes, e eu e Antônia estamos um pouco distantes uma da outra, silencio sas. Aparentemente dissociadas pela força do lugar. Como duas estranhas. Não nos entreolhamos sequer. Não é necessário.

Não era necessário. O que fazer com essa lembrança? Eu jamais deveria ter ido à Inglaterra com Antônia. Temos que ser avaros com as tessituras subjetivas porque delas dependem nosso oxigênio. O manual de sobrevivência na selva diz que certos lugares não devem ser compartilhados, pois se torna impossível resgatá-los depois sem contaminações. É um erro misturar os mitos pessoais com o ser amado. Mas sem dúvida é igualmente difícil viver tangido pela fatalidade futura, que ainda não existe. Que não é visível mesmo do mais alto pico de sua existência no momento. A caminho do trabalho, olho da janela do táxi a lagoa petrificada no gelo. Silhueta dos morros, céu e água me espiam cautelosos, perdidos em algum ponto de mim. Olho mas não a vejo. A irrealidade congela a paisagem. Mesmo as garças fitando imóveis o Sião parecem proibidas. À distância, os remos bri lham no ar e afundam-se na massa líquida sem um som. Onde foram parar meus suprimentos antiescuridão? 

Volto para casa e assim que abro a porta vejo Lisa no sofá, enrodilhada como um pano de chão fora de uso. Um pacote estaria mais inteiro. Com um monossílabo ela varre o meu cum­primento para longe, quer tudo menos conversa. Não vi quando chegou ontem – tarde, pois até meia-noite eu e Hugo ríamos na cozinha da novela onde ele fará o sórdido filho do fazendeiro. Tudo bem para mim, não sou a mãe de Lisa. Dividir a casa com outras pessoas pode nos dar certas alegrias, um conforto pelo calor de rebanho. Mas é também uma perturbação contí nua. Nada mais explosivo do que ter um ser humano por perto com suas emanações, seus medos, e desejos que nem sempre entendemos.

Depois de comer um sanduíche na cozinha, me enfio no quarto. Quero fugir do venenoso sofrimento que zumbe ali perto. É mais sábio ficar longe dos estilhaços dessa dor quando já tenho meus próprios enigmas para enfrentar. Mas a paz não é deste mundo. Mal o céu do computador se ilumina, a música invade o quarto como uma horda belicosa. Depois do incômodo inicial, decido firmemente que posso sublimar aquilo e engal finho-me com o cânone literário ocidental. Mas a banda, que não quer saber de sutilezas, escoiceia minha atenção desprote gida. Sou um rato afogado na música que vem da sala em ondas sucessivas. Estamos aí, gente boa, berra ela com a inconsciência jovem de quem só quer existir. Fecho os olhos e repito para mim mesma que o barulho é apenas um traço desse mundo ilusório. Não tem existência real. Um monge budista sequer o ouviria.

Volto a Haworth e ao ensaio sobre Emily Brontë com prazo para terminar: “...I am Heathcliff! He’s always in my mind: not as a pleasure, any more than I am always a pleasure to myself, but as my own being.” Releio a frase que ajudou a moldar o amor ocidental. Já escrevi boa quantidade de páginas sobre ela, mas minha atenção é agora uma paina soprada pelo vento. A tor rente musical entra por debaixo da porta como uma legião de demônios e só permite a existência de seus decibéis infernais. Minha concentração é dissolvida pelas guitarras da banda irlan desa. Resolvo meditar por alguns minutos: relaxamento e vazio interior me trarão serenidade, não é? Sem a sabedoria oriental não seríamos nada.

Por Myriam Campello, em Como Esquecer. Ed. 7 Letras.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

conversas sobre amor

São treze anos que eu tento dizer o indizível. Faz tempo que eu procuro as melhores palavras pra expressar e não as encontro.
Seria clichê eu mais uma vez escrever sobre a mesma pessoa que cito tantas vezes? Piegas mesmo é não dizer o amor, porque quem ama tem mais é que se expressar mesmo, nem que seja só com as três poderosas palavras “eu te amo”.
Quem espera muito pra dizer o quanto se ama, acredito que não saiba amar.
Essa não será a última vez que escreverei sobre ela, porque a amo! E amo além da vida! A medida do meu amor por ela é amá-la sem medida.
Se não sou poeta, é porque nasci cronista. Até quando buscarei poemas pra dizer o que se pode dizer simplesmente, mas intensamente, por meio de textos simples?
Não há necessidade de poetizar nada neste texto, porque ela em si já é um poema! Uma poesia que veio pra cumprir uma missão de amor, disso eu não tenho a menor dúvida.
Talvez seria melhor por carta, o modo a tocaria fortemente! Mas eu também sei que a publicidade dos sentimentos a cativa.
Rodeada de pessoas, não à toa algumas se arriscam em arranhões múltiplos por ela. Besteira não compreender como a doçura de uma menina simples chega a cativar tão profundamente as pessoas que vivem à sua volta.
Sábia nas maneiras, não mede esforços pra atender tantos chamados: almas em vida que só querem o sabor da sua companhia. Quando a tem, ficam lisonjeadas.
Eu tenho a felicidade de publicar que quando tenho lágrimas estocadas, o abraço forte dela quebra o cristal e me derrete em sensação de amparo.
As mãos doces e macias de menina esquentam os meus braços quando o frio do cinema é forte ou quando o vento da vida é estonteante.
Os pontos de interrogações que ela exclama são setas no coração que levam a filosofia de vida e põem em xeque-mate todas as minhas verdades até então incontestáveis.
Indomável, jamais tente dominá-la. Ela foi feita livre para voar e se você se mover bruscamente, suas asas baterão forte e o colorido da borboleta se fará distante. Então, se a quiseres por perto, apenas cultive o seu jardim!
A sua alma parece ser branca a ponto de saber da vida muito mais que qualquer pessoa que a tente ensinar. Não tente fazê-la aluna, sente-se na cadeira e faça-se você mesmo de aluno, porque a missão dela é ensinar.
Platão dizia que sempre aprendia com seus alunos. Mas, veja, a lógica nunca invertia: ele sempre continuava sendo o professor. É assim que ela não deixa de aprender conosco, mas continua sendo a educadora que Deus enviou às crianças.
Eu me fiz criança pra aprender com ela e desde então encontrei um ser que precisava achar nesse mundo.
Divido com ela os meus maiores sonhos: materiais e espirituais. A cada dia mais perto da realização deles, tenho mais nítida a convicção de que dividirei com ela também a concretização de cada um deles.
Divido a eternidade, porque um amor assim só pode vir além da metafísica.
Um caso de amor que a limitação humana tem dificuldade de compreender. Uma ligação de tempos que a própria religião costuma impedir que entendamos.
Mas, como disse o sábio Carlos Drummond de Andrade, “se você sabe explicar o que sente, não ama, pois o amor foge de todas as explicações possíveis”.

Pouco me importa compreender esse amor! Importa mesmo é que eu amo amar esse amor que amo!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

"Attraversare"

A primeira vez que eu escrevi nesse blog, meu texto levou o título “que se danem os nós”. Tem metas na vida que a gente coloca por meros rótulos, porque se não percebermos profundamente a essência do caminho até o objetivo, nunca o atingimos.
Talvez, depois de tanto cair e aprender, seja uma boa hora em perguntar se de fatos eu tenho desfeito os meus nós ou me enrolado mais no novelo.

Vim gastando meus sapatos
Algumas vezes na vida a gente caminha tanto, que se esquece de verificar a sola do sapato.
A ansiedade de chegar às utopias pode nos impedir de perceber como estão as coisas simples, mas tão necessárias para se chegar até lá. A fé é uma delas!
Quantas vezes pensamos que precisamos de um carro novo, comprar o perfume que está acabando, adquirir a camisa da vitrine bonita, realizar um curso necessário, mas são tão poucas as circunstâncias que percebemos a necessidade de nos atermos à saúde da fé. Sim, no caminhar da vida esquecemos que a sola do sapato gasta e precisamos reforçá-la.

me livrando de alguns pesos
O preconceito com o sapateiro é um peso que cotidianamente nos insiste em seguir o caminho com o mesmo sapato.
Tenho me livrado consideravelmente desse peso.
Não me tem importado o sapateiro, agora eu vejo que importa mesmo é o alívio dos pés!

perdoando meus enganos (?)
Era uma sexta-feira à noite e eu só queria uma sola nova nos sapatos. Alguém, de uma forma meio incompreensível por tantos, me iluminou o caminho de volta ao lar e me fez perceber que a cura mais importante pra minha vida hoje é perdoar meus enganos.
Por tantas vezes eu acreditei que já havia feito isso, mas agora eu enxergo que nos maiores erros da minha vida, nunca fui capaz de perdoar a mim mesmo.
Um dia amei alguém, como nunca tinha amado outrora, mas o tempo não era de ser correspondido. O trauma permaneceu e eu nunca mais consegui me perdoar da falha. Sempre me cobrei de onde eu errei para ter chorado tanto assim. Tornei-me credor de mim mesmo.
Depois disso, nunca mais consegui entregar meu coração! Não me culpo por não tentar, porque em todas as vezes tentei, faz parte da minha essência amar, mas sem ser capaz de enxergar que o meu trauma me impede, jamais eu conseguiria entregar ao próximo o coração partilhado que eu ainda tenho nas mãos.
Perdoei as minhas lágrimas e meus sentimentos restam em paz com as atitudes das outras pessoas, mas agora preciso me curar desse trauma em mim.
Conheci pessoas excepcionais, que me amaram profundamente (ou que ainda me ama), mas titubeei e não consegui me entregar. Amei, mas nunca por inteiro! A ferida ainda está ali e eu preciso curá-la da besteira de ter medo.
Enquanto eu tiver medo, não amarei novamente como se ama o amor, como o amor merece ser amado.
Veja! Eu só preciso criar coragem para “attraversare”. Essa é minha meta de cura!

desfazendo minhas malas
Esse trauma juntado à tentativa de amar feriu pessoas, encheu minha mala de culpas, alguns pesos de mágoas, incompreensões infantis, traição fútil, molecagens insanas, desamores em vez de amores eternos.
Dor por ser a pessoa da retórica, que vive de convencer, criar opiniões, argumentar idéias, mas sentir despejado na face a falta de coragem em dizer verdades que estão lá dentro do coração. Como dizer aquilo que não sabemos ainda de forma consciente? Como explicar atitudes que a razão própria não lhe afirma a causa?
Pesa muito essa sacola de auto-cobrança por encontrar uma forma de juntar os cacos do vaso quebrado de um jeito que não tenham trincas eternas.
Livrar-me um pouco do excesso dessas bagagens é a meta de cura que acompanha intrinsecamente o perdão dos meus enganos.

Vim, achei que eu me acompanhava
E ficava confiante
Outra hora era o nada
A vida presa num barbante
E eu quem dava o nó.
(...)
A vida solta num instante
Tenho coragem, TENHO MEDO SIM,
Que se danem os nós!

Aprender a reconhecer tudo isso: primeira evolução da cura!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Clarice Lispector

Há momentos em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar esta pessoa de nossos sonhos e abraçá-la.
Sonhe com aquilo que você quiser. Seja o que você quer ser. Voe, pois você possui apenas uma vida e nela só tem uma chance de fazer aquilo que se quer. 
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades bastante para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz. 
As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos. 
A felicidade aparece para aqueles que choram, para aqueles que se machucam, para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas. 
O futuro mais brilhante é baseado num passado intensamente vivido. 
Você só terá sucesso na vida quando perdoar os erros e as decepções do passado. 
A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade. 
A vida não é de se brincar porque um belo dia se morre.

sábado, 11 de setembro de 2010

sábado de férias

Há um tempo, minha adolescência não permitia buscar os lugares de paz, tranqüilidade, sossego. A meninice sempre nos chama para as euforias agitadas da vida.
Como dizia o apóstolo Paulo, “quando eu era menino, discorria como menino, mas agora que cresci, logo deixei as coisas de menino”. 
Ainda quando bem criança, eu programava que o dia que eu completasse 25 anos eu me tornaria um adulto, porque nessa fase eu já teria me formado, já possuiria meu carro, estaria comprando minha casa e, com certeza, essa seria a hora de me casar com a mulher da minha vida, talvez ter os filhos dos meus sonhos.
Ontem, 10 de setembro de 2010, a minha vida adulta, sem bater na porta, entrou e simplesmente disse: cheguei.
Algumas coisas eu de fato já conquistei, outras ainda vou conseguir e algumas delas já nem fazem mais parte dos meus sonhos. Por desistência? Jamais, esse substantivo nunca pertenceu ao meu vocabulário. Ocorre que quando a gente se conhece, alguns ideais mudam mesmo e de fato a gente precisa buscar a percorrer os caminhos que viemos para trilhar. 
Hoje é dia de festa e tudo me pende para lá! Como eu disse, as coisas da vida adulta acabam nos “envelhecendo” um pouco, então confesso que minha vontade mesmo era me deitar na grama de um jardim, com a mão entrelaçada à dela, olhar o céu estrelado, ouvir coisas de Deus e relaxar o corpo pelo relaxamento do espírito. Mas hoje, o que tem pra ser feito é brincar de voltar a ser menino. 
Então, eu peço licença mais uma vez para o meu espírito, pois preciso vestir a minha fantasia e com uma dose de prudência brincar com meus amigos. Afinal, o próprio Jesus nos ensinou que precisamos nos fazer de crianças de vez em quando para agüentarmos a vida do lado de cá.

domingo, 29 de agosto de 2010

John Lennon





Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer, só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos. Não contaram pra nós que amor não é acionado, nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável. 

Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada "dois em um": duas pessoas pensando igual, agindo igual, que era isso que funcionava. Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável. 
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos. 
Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto. 
Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que podemos tentar outras alternativas. 
Ah, também não contaram que ninguém vai contar isso tudo pra gente. Cada um vai ter que descobrir sozinho. E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz e se apaixonar por alguém.

terça-feira, 11 de maio de 2010

coisas que a gente aprende

Enquanto a gente vive, a gente aprende (apreende informações relevantes).
Adoecer significa ficar um pouco a mais na cama. Ficar na cama, para mim, significa pensar a vida com detalhes.
Percebi que aprendi várias coisas nesses últimos tempos.
Aprendi que meu signo gosta de objetividade, de certezas e maturidades. Por isso, eu tenho preguiça das criancices e da falta de evolução espiritual de alguns seres terrenos.
Aprendi que eu e a mãe dos meus filhos temos como maior característica em comum a estranha vontade de fazer o mundo inteiro feliz, a ponto de esquecer que às vezes pra ser feliz tem que se esquecer o mundo inteiro, nem que seja só por um fim de semana.
Aprendi que pessoas negativas são aptas para se autoafastarem da minha vida, porque nenhuma delas consegue conviver com minha vontade de viver.
Aprendi que quando a gente passa por relacionamentos amorosos, a vida sempre faz a gente se sentir na pele do outro, nem que seja depois de uns bons anos, só para que o nosso espírito evolua. Uma das maiores artes do espírito: conseguir enxergar isso nos mínimos detalhes a ponto de aprender.
Aprendi que a gente precisa perdoar pra evoluir. Do contrário, a gente leva nosso inimigo todos os dias pra nossa cama.
Aprendi que é gostoso marcar datas pra iniciar um namoro, mas que o melhor do amor ocorre quando você namora a pessoa desde o primeiro contato.
Aprendi que pra ser feliz a gente não pode criar vínculo de posse, mas vínculo intelectual: nós precisamos apenas gostar das mesmas coisas, dos mesmos botequins, das mesmas músicas, da mesma linguagem.
E, conseguinte, aprendi que a mágica perfeita ocorre quando, além de todas essas semelhanças, você se pega ouvindo Taïs Reganelli no carro com seu amor e percebe que existe intolerância aos mesmos alimentos, as estaturas são idênticas, os sonhos se encaixam, o time de futebol é o mesmo, a escolha do partido político é naturalmente idêntica... Assim, simples assim, sem querer, sem forçar. Acontece. A magia acontece.
E, claro, aprendi que eu nunca sei enganar meu coração.
Aprendi que não há porque ter medo. A gente não come o chocolate pensando que ele vai acabar. A gente simplesmente saboreia o chocolate. Nós somos felizes enquanto ele durar.
Pode ser que ele dure apenas meio minuto, mas pode ser que encontremos a fantástica fábrica de chocolates e ele dure pra sempre. O importante é saborear o chocolate.
Aprendi que vale a pena ser afetivo...

e que namorar é inventar qualquer desculpa só pra ouvir a voz da pessoa, tocar a pessoa, enfim, amar a pessoa.

Aprendi que aprender a arte de aprender é a razão mais bela dessa vida. 

quinta-feira, 15 de abril de 2010

e como cansa

Cansa a falácia tão pesada sobre condenação, principalmente quando se refere à etern(a)idade.
Cansa ser obrigado a ver Deus como um ser mal que a gente sempre precisa quase morrer de medo.
Cansa quando o assunto é inferno, enquanto há tanto por se dizer em céu.
Cansa quando a pauta é a morte. Por que não falarmos em vida? Há tanta vida pra ser vivida, mas tão pouca vontade de ter coragem pra isso.
Cansa mesmo, e de verdade, o excesso de desculpas, a premente necessidade de subterfúgios e, sobretudo, das verdades mentirosas.
Cansa não ser você mesmo quando tudo o que mais se deseja é autenticidade.
Cansa o desgaste das farsas em prol da felicidade alheia – o denso motivo para se usar tantas máscaras.
Cansa a busca incessante pela sobrevivência com o capital, quando a vontade mesmo é canalizar todas as energias na busca de conhecimento e, tão somente, conhecimento.
Cansa ter que buscar muito mais a matéria quando o desejo é tender mais ao espírito.
Cansa ser tolhido de tantos prazeres só pela maldita falta de dinheiro.
Cansa ser esquecido (ou apenas deixado de lado) pelas pessoas que você mais ama.
Cansa essa chatice de querer ser alguém importante ou ao menos lembrado pelos mais queridos.
Cansa ser cobrado de algo que não está ao seu alcance, mas porque todo mundo quer que você alcance, ou só pelo simples fato de você um dia ter desejado alcançar.
Cansa a timidez que às vezes te impede de expressar coisas especiais.
Cansa a distância em quilômetros de pessoas tão essenciais.
Cansa a gordura que não queima nem com reza brava, diga-se, aplicação de enzimas ilegais.
Cansa o desassossego dentro do quarto porque você não queria que ele fosse instalado exatamente nessa casa, nesse endereço e que fosse só seu.
Mas lá no fim do túnel, bem no finzinho, quando você se sente o espírito entenebrecido por pensar em todas essas coisas que cansam, o que consola mesmo é no meio da noite (quase madrugada) você receber um torpedo dizendo: “To com o coração apertadinho de saudade. To me sentindo tão só sem você... =/ ”.
Aí, subitamente, você se lembra de que vale a pena lutar contra tudo isso e seguir à risca (no tanto que for possível) a dieta da felicidade.

terça-feira, 23 de março de 2010

era


O destino me pregando uma outra peça, eu não queria
Me cercava toda noite, com sua flecha e sua guia
Era o tempo me encostando sua pele traiçoeira
Eram noites tão pesadas, com nuvens sorrateiras
Era a vida me cortando a carne com seu guizo
Ecoando pelos séculos os sons de alguns gemidos
Eram meus antepassados dentro dos bacanais
Era o tempo me emprestando aquilo que eu não devolveria mais
Era um homem nos meus sonhos me currando sem perdão
Eram duas velhas mortas se arrastando pelo chão
Eu soltava os meus cães em meu peito a soluçar
Abafava os meus gritos, pois não sabia ladrar

Achei que não era eu que fazia minha história andar

Punha a culpa no destino ou em quem estivesse à mão para culpar
E era assim

Hoje em dia não me importo com o que fiz no meu passado
Quero amigos, sorte e muita gente boa do meu lado
E não rebato se disserem por aí que eu tô errado
Porque quem se debate está sozinho ou afogado

Eu, que não fico no meio, não começo e nem acabo
Eu sou filho do amor, de Deus, e não do diabo
Na ciranda das canções eu me ponho a revezar
Rodando entre as ondas que me puxam em alto-mar
Hoje sei bem que sou eu que giro a minha vida circular
Essa roda, eu que invento e faço tudo nela se encaixar
Eu sou assim

quarta-feira, 17 de março de 2010

afinal


Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d'Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.

(...) 

terça-feira, 16 de março de 2010

o haver

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

15/04/1962

Vinícius de Moraes

quinta-feira, 11 de março de 2010

a câmera que filma os dias

Ele carrega o nome de um rei grego, não obstante, tem a cara da Grécia: gosta de se vestir bem e adora uma festa!
Mas grego mesmo é esse jeito meio “cazuza” de ser: esbanja charme e como é difícil ser só de alguém! Porque ele é de todo mundo! E todo mundo o deseja!
Sabe aquela pessoa que lhe causa friozinho na barriga antes de encontrar? Não, eu não estou falando de paixão, estou falando de um dos tipos mais bonitos de amor mesmo. Só não há mais ansiedade na espera porque ele é dono da pontualidade britânica.
Eu sou fascinado pelas pessoas que sabem cumprir horário, embora algumas vezes eu já torci pra que ele atrasasse, só alguns minutinhos, pra eu poder me arrumar melhor, porque perto dele a gente precisa estar impecável.
Não, ele não exige nada. Quando a gente reclama algo do estilo não estou bem vestido, ele logo revida dizendo que está ótimo, eu vou de havaianas. O problema é que ele sempre arrasa, inclusive com as havaianas.
Se a gente vai ao show, a amiga de todas as horas precisa sentar no meio. Senão a gente não agüenta e chora muito sentido as emoções um do outro.
Quando estou triste, é o abraço dele que me faz sentir a pessoa mais especial do mundo. E o que dizer então das mensagens no celular com o jeito carinhoso de sempre me chamar de migote?
Irritado, mas amoroso. Temperamental, mas divertidíssimo. Estiloso, mas humilde. Imperioso, mas sensato.
Quantas terças-feiras da minha vida foram feitas especiais por ele! Mas quantas semanas inteiras eu tive mais vontade de viver, porque a energia contagiante dele estava ao meu lado.
Existiram dias que eu não tinha vontade de sair do meu infinito particular. O que meu corpo pedia era um gole de álcool pra cultivar as depressões. Mas ele esteve comigo nos momentos mais difíceis e me fazia sentir a pessoa mais rica e feliz do mundo.
Agora, sabe qual o barato de tudo isso? Ele nunca soube o quanto as suas mínimas atitudes me tocavam e me tocam. Ele sempre foi especial sem eu dizer o quanto isso tudo me faz bem!
É ele quem me leva pra assistir Ana Carolina, pra comer comida japonesa ou pizza sem queijo, pra fazer happy hour às 17 horas, pra passear na 25 de março, não, desculpa, na Oscar Freire e, reitero, me dá um abraço! Ah, que abraço...
Era uma manhã de céu muito azul e foi no meio de caretas e abdominais doloridas que a câmera que filma os dias o encontrou.

Teus gestos solitários pela lente sem fim
E lento o tempo parecia desfocar
Tanta coisa escapa sem o olho ver
E às vezes as imagens vem nos assaltar
Ter te visto assim sem jeito e sem querer
Foi o tiro certo para começar

Eu pressentia que algo grandioso estava por nascer, mas eu precisava esperar pelo tempo. Tempo, tempo, tempo...
De repente, tudo começou a ficar tão difícil e o inverno chegou para mim, ops, para nós!
E foi assim

A câmera que filma os dias tomou conta de mim
E passei aquele inverno inteiro a te focar

Foi nas lentes dessa câmera que nasceu um sentimento verdadeiro, duradouro, e por que não dizer ETERNO!
Se ele fosse meu irmão de sangue, provavelmente a gente não se compreenderia tão bem assim. O amor fraterno nem seria tão intenso.
Mas, o gostoso mesmo dessa história toda é concluir que

A câmera que filma os dias deu um giro e parou
Na lojinha da cidade com o preço bom
Era um dia de inverno quando você chegou
Amigo! Se não fosse teu abraço compraria um moleton

quinta-feira, 4 de março de 2010

antes que a canção acabe

Nada como estar ao lado de bons amigos, rodeados de pessoas que não estão preocupadas com sua imagem, com sua “postura”... mas que estão ali porque gostam de você, do “jeitinho” que você é mesmo!
Essa noite eu curti um pouco dessas pessoas maravilhosas que a faculdade trouxe pra minha vida e que os levarei pra sempre!
O pretexto disso tudo começou com a ansiedade louca de rever Taïs Reganelli esbanjando sua voz doce e encantadora.
E foi lá no Almanaque Café, em Barão Geraldo, que eu matei a saudade deles todos!!! E revivi o som maravilhoso dessa cantora mais que ótima, acompanhada do seu irmão Henrique Torres!
O cd está espetacular!
Fica a dica cult e sensitiva para as pessoas que gostam de musicalidade poética!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Ela é bamba



Dia desses a Roda realizou um evento de inclusão, mas eu não estava por lá. Compromissos me deixaram fora dessa. E, talvez por isso, eu devesse registrar as minhas boas vindas.
Embora eu só divida o lar com ela contratualmente, ela merece minhas palavras, porque é da minha família que agora ela faz parte.
Todos, sem exceção, quando a vê pela primeira vez, não dá um centavo por ela (definição criminosamente furtada). Mas não demora muito você começa a enxergar a pessoa que se esconde por dentro de olhos sempre muito vivos. (E que olhos).
Ela deixa um toque especial nas coisas e depois da sua chegada, até a casa no México ficou mudada.
Aparentemente, e tão somente aparentemente, sisuda, quando começa a se mostrar se apresenta como falante inteligente e esbanja simpatia.
O sorriso (de menina) tem um quê tal meigo a ponto de beirar a pureza de adolescente. Mas a antítese aparece tão logo ela lança suas palavras que a impõem como mulher.
Tem talentos que ninguém percebe sem ter intimidades. E, normalmente, quando alguém percebe o outro nunca acredita.
A sua multiplicidade de características começa no seu nome. Às vezes Leona, outras Phalita, algumas Ghalita e de vez em quando até se arrisca como Thalita.
As músicas dela são alternativas, mas eu diria que nem passa tão longe assim de Back Street Boys. Ah, mas ela toca pandeiro! Ufa, deixa-me voltar a falar da Phalita culta...
Papo bom é o que não falta com essa garota. E pra quem pensa que ela só fala em sexo está muito enganado, porque com ela eu já conversei até coisas de Deus.
Confesso: amei toda aquela conversa! E quero muito mais!
É verdade. As pessoas sentem ciúmes dela. Porque nesse jeito quietinho e danado de ser ela conquistou um posto que um monte de gente queria estar.
Já eu, que odeio esse sentimento frívolo de posse, prefiro dizer que eu adorei a nova combinação harmônica do país mexicano.
Opa, preciso até me conter, porque falar do México seria lembrar o quanto o laço tem se estreitado nos últimos dias, no quanto um simples encontro de pessoas podem transformar vidas e nessa capacidade incrível que Deus gerou entre mim e a mãe dos meus filhos de unir espíritos.
Mas afinal quem é a Ghalita?
Conheço pouco, mas até onde eu posso ter certeza a Phalita tece tapetes, é psicóloga, é pedagoga e gosta de crianças. E, ainda, pasmem: ouvi dizer que além de recitar Camões, ela também compõe poesias.

“Ela é bala
A mestiça é todo gás
Cada braço é uma viga do país
Abre o olho com ela meu rapaz
Ela é quase tudo que se diz...

Ela é pop, ela é rap
Ela é blues e jazz
E no samba é primeira linha...

Então vamos lá:
Leona, Phalita, Ghalita, Thalita”

Amiga, seja muito bem vinda a nossa família! Eu sei que você chegou pra completar... eu até arriscaria uma nova definição: um tempero bom nessa culinária saborosa.
Afinal, na cozinha também surgem poemas, não é mesmo?

domingo, 28 de fevereiro de 2010

A sina do leque


















Era uma vez uma noite escura com o ambiente fechado.
Era uma vez um som alto e total ausência de silêncio.
Era uma vez uma música contagiante seguida de um sorriso.
Era uma vez um calor quase insuportável.
Assim, era uma vez um simples leque feito de flyer.

De um leque improvisado, o início de uma nova era.
O início de uma nova história.
História grande ou pequena? Curta ao comprida?
História recheada de amizade, paixão ou amor?
Como saberemos se ainda não vivemos?

A depender da minha, da nossa torcida,
Será repleta de amizade misturada com paixões
Mas regada com uma boa dose de amor
Era uma vez um calor quase insuportável
Era uma vez uma cortina branca. Ops, era uma vez um leque!

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Sozinhos ou acompanhados?

O telefone tocou e do outro lado havia a voz alguém disposto a falar da vida.
Conversar sobre a vida sempre foi uma tarefa simples pra mim, porque eu adoro viajar nas ideias e pensar um bocado.
Em alto nível da conversa, o alguém me dizia tristemente: eu acho que nasci pra caminhar só, não consigo me relacionar.
O assunto continuou, mas meu pensamento ficou lá, naquela frase dita que eu não sei bem se foi pensada ou simplesmente lançada às traças.
Penso no quanto todos nós, seres humanos, sonhamos e idealizamos um amor. Mas custa encontrar alguém que de fato se entregue a esse projeto, a ponto fazê-lo acontecer.
Sobra orgulho, manias e o eterno costume de que “eu não mudo, se quiser vai ser assim”.
É paradoxal como a gente choraminga quando gostamos de alguém e esse alguém não faz nada, mas difícil mesmo é enxergarmos que existem tantas pessoas que gostam da gente e também não fazemos absolutamente nada.
Mais engraçado ainda é perceber que criticamos essa falta de esforço em prol de um grande amor, essa inércia vazia de sentimento, no entanto, quando qualquer pessoa se empenha nesse embalo, somos os primeiros a também criticar e chama-lo de louco, desvairado, amigo desnaturado que some e por aí afora.
Pressinto: não haverá conclusão nessas ideias lançadas.
Espero: quem sabe haja apenas um incentivo a pensar!

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

"Cancionando" mais um pouco


Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
Há uma solidão imensa
Que tem por corpo o frio do ar.

Neste momento insone e triste
Em que não sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
Um negro astral silêncio surdo
E não poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silêncio mudo -
Ah, nada é isto, nada é assim!)

Fernando Pessoa

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

"Cancionando"


Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.


Fernando Pessoa

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Devaneios



Era meio dia e lá estava ela na minha garupa enquanto trilhávamos pela estrada veloz, cortando a cidade agitada. O sol ardia em chamas, o verão comandava a temperatura e o céu estava lindo!
Ela comentou comigo: como eu amo olhar pra esse céu de verão!
Há poucos minutos, fiz o mesmo trajeto. Só que o sol não estava mais lá pra aquecer e embora o verão ainda comandasse o tempo, senti frio.
Será que foi a natureza da escuridão? Talvez tenha sido a falta dela pra me aquecer... Porque quando se tem alguém especial por perto, até a chuva se torna quente e divertida.
Mais tarde, ela me disse que nós temos uma relação, um caso de amor talvez. Só não necessariamente da forma que os adultos insistem em padronizar.
Nos devaneios da volta cansativa, comecei a pensar com os calafrios na espinha e me dei conta de que a solidão é fria, mesmo no meio de um verão intenso.
Talvez o problema não resida em estar materialmente só, mas no fato de sempre esperar por alguém que não chega.
São nesses instantes que percebo o quanto “eu finjo ter calma e a solidão me apressa. Tantos caminhos sem fim, de onde você não vem. Meu coração na curva, batendo a mais de cem”.
É uma eterna espera: pelo carinho que não aparece, pela conquista que não surge, pela singeleza de sentimentos que não encontro ou, às vezes, por uma mera ligação no celular.
Ah, o celular!
Como eu gostaria que o amor não fosse atrelado ao celular. Prefiro a moda antiga: esperar semanas ou meses por uma carta. Como a decepção demorava pra chegar também. Afinal, sempre havia aquela expectativa de que um dia ela chegasse. Ou quem sabe, simplesmente teria voltado e por isso nunca havia chegado.
Mas a tecnologia trouxe a exatidão no tempo. E quando você espera por algo que não chega, nesse exato momento você sabe que, como no filme de Ken Kwapis, “Ele (a) Não Está Tão A Fim De Você”.



Sim, eu tive que pular uma linha pra simbolizar a pausa na minha escrita. Fui subitamente interrompido pelo celular. Do outro lado um amigo-irmão dizia: liguei pra te dizer um oi, porque acabei de pensar em você – precisava saber como você estava.
Inevitavelmente ele percebeu minha voz embargada. Não tive como esconder. Emocionei-me.
Como eu poderia terminar esse texto senão dizendo que a cada dia acredito mais no amor entre amigos? E desacredito no amor entre amantes.
O fato é simples. Quando espero por alguém, quem aparece são eles: Ela que está presente em tudo, ele que me liga pra matar a saudade, todos os outros que me consquitam cada vez mais enquanto os amo cada vez mais.
Esse amor dura pra sempre. Porque esse amor é aquele que “é paciente, é benigno, não inveja, não se vangloria, não se ensoberbece, não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal, não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade”.
Esse amor nunca falha! É o único sol capaz de derreter a geleira da solidão.
Meu Deus! Cura-me de esperar por outro amor? Melhor, se não tiver cura, mostre-me o caminho para encontrá-lo...

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Que se danem os nós



Não raramente eu ouço uma música e a melodia fere meus sentidos a ponto de me incentivar a escrita.

Hoje começou assim:

Vem, nunca é tarde ou distante
Pra te contar os meus segredos
A vida solta num instante
Tenho coragem tenho medo sim
Que se danem os nós
Se há alguém no ar
Responda se eu chamar
Alguém gritou meu nome
Ou eu quis escutar

De fato, a vida nos últimos dias vem me gritando a escrever. Talvez seja a presença um tanto mais próxima dela, a garota que há anos me desperta os pensamentos e me incita a filosofar.
Dias atrás, num sorvete filosófico, a nossa conversa fez-na pensar. E o que ela pensou, também me levou a refletir.
Um antigo provérbio latim diz que verba sicut ventus volant, scripta sicut monumenta manent, ou seja, as palavras voam como os ventos, mas a escrita permanece como os monumentos.
Algumas coisas precisam ser escritas. Precisam ser registradas.
Há sentimentos que são tão bons, ou talvez tão amargos, que precisam ficar escritos. Se bons, para serem revividos. Se amargos, para servirem de espelho ou força para o futuro.
Escrever sempre foi uma sina minha, mas mantenho isso em oculto. Sempre alimentando o meu impublicável livejournal.
Mas agora, que se danem os nós! Esse novo espaço é para ser público.
É para ser bebido. Seja para entenebrecer o espírito. Seja para despertar a poesia da vida...